domingo, 21 de novembro de 2010

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"É natural que quem quer «elevar-se» sempre mais, um dia, acabe por ter vertigens. O que são vertigens? Medo de cair? Mas então porque é que temos vertigens num miradoiro protegido com um parapeito? As vertigens não são o medo de cair. É a voz do vazio por debaixo de nós que nos enfeitiça e atrai, o desejo de cair do qual, logo a seguir, nos protegemos com pavor.
O cortejo das mulheres nuas em torno da piscina, os cadáveres no carro funerário a manifestarem o seu contentamento por Tereza também estar morta, são o «por baixo» que a apavora, de onde já fugiu uma vez, mas que também a atrai misteriosamente. As suas vertigens: ouvir um suave (e quase alegre) apelo que a incita a renunciar ao destino e à alma. É o apelo à solidariedade das desalmadas. Nos momentos de desespero, tem vontade de lhe responder e de voltar para a mãe. Tem vontade de fazer retirar da ponte do seu corpo a tripulação da alma; de descer e de se sentar com as amigas da mãe e rir quando uma delas se peida ruidosamente; de desfilar nua com elas em torno da piscina e de cantar."


Milan Kundera

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