domingo, 1 de janeiro de 2012

Percepção

À noite as galinhas são mortas
todo  o barulho é um barulho
e elas vão gritando em agonia.
Cães desbravam as suas gargantas
com caninos afiados e elas
vão gritando como fazem
todas as manhãs.
Mas na cidade
ninguém as ouve.
Ouvem apenas os seus
próprios pensamentos a fazer
ricochetes em almofadas que
eles orgulhosamente construíram
com caroços de cerejas.
Há um galinha a esvair-se em sangue.
Não sei onde ela está
nunca a poderei acudir,
em todas as auroras.
Ela não se cansa
parece os travões de um carro
sem travões ao longe.
Entretanto doem-me os dentes
enquanto todo o meu corpo
cheira a podre.
À volta, as casas da cidade
desconstroem-se como um cenário.
Há uma pessoa que nos controla por fios
e é então que percebo que só o faz
pelo prazer do voyer que há em si.
Sempre, achei, que odiava
a civilização com as suas luzes e betões armados
mas agora que espero que o dia nasça
acho que sempre fez sentido.
Os meus dentes doem-me
em breve
cair-me-á a bochecha
e eu, sozinha, de noite,
espero cinicamente pelo dia.
Agora, ele começa a nascer.
É a hora dos pássaros,
eu sei que são eles mas
a mim
parecem-me guizos
omnipresentes.
Calem-se galinhas
POR FAVOR!
O MEU CORPO NÃO
DESCANSA.

O MEU CORPO NÃO
DESCANSA.

O MEU CORPO NÃO
DESCANSA
ENQUANTO VOCÊS NÃO
SE CALAREM
POR FAVOR!
(o pequeno imperador dos ovos é o último a cair)
Chegaram os pássaros, vê
se percebes,
chegaram os pássaros.

silêncio
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pássaros
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A cidade nunca dorme.
Estive desde sempre trancada
no meu corpo.
O tempo não existe
estou presa dentro dele.
O tempo é uma invenção
exclusivamente nossa
para nos masturbarmos
sem culpa (cristã).
Amanhã é um dia mas estou,
presa,
à espera de o ver começar.
Então, onde é que
existe o tempo?
No lugar onde não existirem
pequenos anõezinhos
a espiar-nos
com a secreta esperança que
fiquemos na corda bamba
da sua regular normalidade.