domingo, 5 de dezembro de 2010

O banho

Joana toma banho todos os dias. Para iniciar este processo, Joana senta-se e olha-se. Depois acalma-se. Depois, dá início ao desenrolar do processo. 
Despe cada peça de roupa com a lentidão alcoólica de uma madrugada festiva. Todos os dias, Joana desloca -se até ao espelho e observa-se em pele. Pele que odeia, que repugna, que toda a vida esteve disposta a trocar na Ladra. Sai do quarto. Corre até à casa de banho. Pelo caminho, curto, os ossos arrepiam-se, os pôros dão sinais de vida. Entra na casa de banho onde é novamente bombardeada com reflexos de si mesma, com projecções de si, nua. Ignora-as. Ou tenta. Apercebe-se que é O momento. Lembra-se que é agora que vai estar verdadeiramente consigo.
Aquece a água e entra. Um pé, depois o outro, depois roda o chuveiro. A água escorre por si no sentido da gravidade e o seu dia escorre-se também na mesma precisa cadência. Joana revê-se e corrige-se à velocidade a que esfrega o seu corpo. Como se o sabão lavasse incoerências.
Joana lava o cabelo ao mesmo tempo que deseja lavar a sua cabeça - por dentro -  e todos aqueles pensamentos inóspitos. Joana apercebe-se, repentinamente, que aquele corpo intocádo e intocável, o seu, lhe dá vontade de vomitar.
E então, com a água quente a evaporar-se serenamente na pele, Joana decide morrer.

Sem comentários:

Enviar um comentário