Porque hoje, como sempre, apetece-me arrotar alto e não pôr a mão à frente Apetece-me beber uma cerveja ou duas, três, se calhar mais Apetece-me dessarumar os naperóns e atentamente torná-los utilitários Apetece-me comer arroz doce, leite creme, broa de milho e pastel de nata Apetece-me um café pingado, com cheirinho, em chávena escaldada Apetece-me cantar fado, usar um xaile, vestir-me de preto e melancolizar-me saudosamente Apetece-me ser uma janela, um canteiro, uma velha janeleira ou uma varanda pombalina Apetece-me tertuliar no Martinho da Arcada, na Brasileira ou no Machado Apetece-me subir e descer a calçada portuguesa cinematograficamente as vezes que me der na real gana Apetece-me jantar numa tasca um bacalhau à brás, uma carne de porco à alentejana, uma sopa de peixe Apetece-me comer amêijoas ao fim da tarde numa qualquer praia civilizadamente deserta do Oeste Apetece-me andar de eléctrico pela noite dentro Apetece-me esperar autocarros indefinidamente e falar com todas as velhinhas da paragem Apetece-me adormecer num monte alentejano e acordar numa casa de xisto do Piodão Apetece-me, vejam lá!!, queijo da serra, requeijão com doce de abóbora Apetecem-me alheiras, farinheiras, chouriços e linguiças Apetece-me cenas de filmes paradas Apetece-me provincianismo Apetece-me acreditar em Deus e, honestamente, dizer "Até manhã se deus quiser", "Deus te abençoe", "Vai com deus", "Deus te proteja" e tantas que tais Apetece-me dizer os provérbios e as mézinhas da terceira idade todos de trás para a frente Apetece-me um baile popular, uma marcha de Lisboa e uma sardinha para acompanhar Apetece-me vinho tinto com pão Apetecem-me laranjas e doce de alfarroba Apetece-me o baca em vez de vaca, o dezôito em vez de dezóito, o ide em vez vão Apetece-me o raio que o parta, o caraças e a porra
Apetece-me ser Portuguesa em todo o meu explendor Apetece-me sacudir-me de elitismos, academismos, extratismos e ser única e exclusivamente a minha naturalidade.
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