segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Eu visto as coisas assim




Porque hoje, como sempre, apetece-me arrotar alto e não pôr a mão à frente
Apetece-me beber uma cerveja ou duas, três, se calhar mais
Apetece-me dessarumar os naperóns e atentamente torná-los utilitários
Apetece-me comer arroz doce, leite creme, broa de milho e pastel de nata
Apetece-me um café pingado, com cheirinho, em chávena escaldada
Apetece-me cantar fado, usar um xaile, vestir-me de preto e melancolizar-me saudosamente
Apetece-me ser uma janela, um canteiro, uma velha janeleira ou uma varanda pombalina
Apetece-me tertuliar no Martinho da Arcada, na Brasileira ou no Machado
Apetece-me subir e descer a calçada portuguesa cinematograficamente as vezes que me der na real gana
Apetece-me jantar numa tasca um bacalhau à brás, uma carne de porco à alentejana, uma sopa de peixe
Apetece-me comer amêijoas ao fim da tarde numa qualquer praia civilizadamente deserta do Oeste
Apetece-me andar de eléctrico pela noite dentro
Apetece-me esperar autocarros indefinidamente e falar com todas as velhinhas da paragem
Apetece-me adormecer num monte alentejano e acordar numa casa de xisto do Piodão
Apetece-me, vejam lá!!, queijo da serra, requeijão com doce de abóbora
Apetecem-me alheiras, farinheiras, chouriços e linguiças
Apetece-me cenas de filmes paradas
Apetece-me provincianismo
Apetece-me acreditar em Deus e, honestamente, dizer "Até manhã se deus quiser", "Deus te abençoe", "Vai com deus", "Deus te proteja" e tantas que tais
Apetece-me dizer os provérbios e as mézinhas da terceira idade todos de trás para a frente
Apetece-me um baile popular, uma marcha de Lisboa e uma sardinha para acompanhar
Apetece-me vinho tinto com pão
Apetecem-me laranjas e doce de alfarroba
Apetece-me o baca em vez de vaca, o dezôito em vez de dezóito, o ide em vez vão
Apetece-me o raio que o parta, o caraças e a porra

Apetece-me ser Portuguesa em todo o meu explendor
Apetece-me sacudir-me de elitismos, academismos, extratismos e ser única e exclusivamente a minha naturalidade.

E sou-o, olha a merda!

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