domingo, 9 de maio de 2010

Fumar pode provocar uma morte lenta e dolorosa

Caríssimos senhores da hipocrisia vincada,
Parece-me a mim, reles fumadora de 17 anos, que não há ninguém neste mundo que conheça melhor a natureza do Homem do que os senhores. Acham por bem informar os seus fiéis consumidores de que podem morrer de forma lenta e dolorosa, como se não houvessem já razões mais que bastantes neste mundo para se morrer de. Têm vossas excelências por garantido, também, que não existe maior escrúpulo para a Humanidade do que esse objecto desconhecido e implacável que nos torna as vidas limitadas. Morte, oh sim, escrevem-no por todo o lado nesses pacotinhos jeitosos em que vendem o vício, em que criam a besta.
Sabem por certo, as ilustres senhorias, que não há melhor companhia neste vasto mundo que o cigarro. Sabem-no com certeza, se não não se usavam disso como catalisador das vossas máquinas industriais e corruptas de produção de cinismo e falsa integridade. Conhecem assim o ideal do cigarro como marcador do tempo, como separador de momentos e, na melhor das suas concepções, como provocador de conversas. AAh se conhecem...
Foram capazes de criar a ideia da impossibilidade da vida sem tabaco, para mim e mais meio bilião de pessoas que, tal como eu, vivem presos a este vício tão confortável. Pessoas, como eu, incorrigívelmente tímidas ou nervosas que vêem nestes cilindrozinhos putrefactos bons ouvintes, boas companhias e, até, excelentes criadores.
O cigarro é capaz de nos proporcionar aquele à-vontade de quem sabe do que fala, um sítio para colocar as mãos, de caminhar connosco em multidões solitárias. Do acto de fumar um cigarro pressupõe-se toda uma etiqueta funcional extensível a todos os extractos sociais. Acende a classe artista e boémia indubitavelmente fumadora, o primeiro bafo cinematográfico dos aristocratas e chefes de estado, os bafos que se seguem em tom de garantia de um cigarro bem aceso dados pelas putas, pelos vagabundos e pelos homens sem casa, travam vezes sem conta os funcionários públicos, os Senhores do lixo, o papa, o padre, os miúdos da escola, a mãe divorciada, o agricultor, o velho jogador da alameda, o treinador de futebol, o gestor, o nadador profissional, o banqueiro, o presidente da camâra, o emigrante, o imigrante. Os dois últimos bafos dolorosos perto do limite castanho dão-nos os turistas, os pescadores e os taxistas e a beata incandescente deita-a fora a hospedeira apressada pisando-a com o seu salto alto. Buscam as pontas os drogados, os alcoolicos, os pobre, os malucos, a escumulha - afirma a restante sociedade. Agora que penso nisto, será talvez até do vosso considerável interesse, o cigarro seria um excelente camarada vociferante do comunismo. Mas esqueçamos este aparte político, que a vós só vos interessa a economia.
Gostaria assim de pedir-vos, a tom de conclusão, que deixassem estas mensagenzinhas obséquias de lado e tratassem as coisas só pelo nome. É tabaco. Quando compramos todos sabemos o mal deliciosamente aprazível que nos faz, não precisam vossas excelências de ser tão cínicas relativamente ao que produzem.


Grata pela atenção,
A.S.P.

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